21 Agosto 2019
Adorno pode ter morrido há meio século, mas com ele não se apagou a luz de suas ideias sobre a extrema direita.
A reportagem é de Aldo Mas, publicada por El Diario, 19-08-2019. A tradução é do Cepat.
Neste mês de agosto, completam-se 50 anos da morte do filósofo alemão Theodor W. Adorno, membro do núcleo duro da escola neomarxista de Frankfurt. Para essa data, a editora berlinense Suhrkamp tinha previsto a reedição de várias obras dessa influente figura intelectual alemã do século XX. Esta coletânea reuniria uma série de trabalhos e intervenções de Adorno ainda não publicadas.
No entanto, os responsáveis pela reedição mudaram de ideia quando se depararam com o conteúdo do discurso que Adorno fez em 6 de abril de 1967, diante de um grupo de estudantes da Universidade de Viena. O filósofo falava, então, sobre a extrema direita, um tema especialmente preocupante agora na Alemanha e no resto da Europa, tendo em vista a ascensão de populismos de direita.
A editora decidiu publicar a íntegra desse discurso, em vez de uma coletânea dos trabalhos do filósofo. Aspekte des neuen Rechtsradikalismus ou Aspectos do novo radicalismo de direita é o título do novo volume.
O livro apresenta um epílogo assinado por Volker Weiß, autor, historiador e hoje em dia especialista alemão de referência no tema da extrema direita. Weiß, assim como está fazendo a crítica na Alemanha nesses dias, elogia a validade das inéditas reflexões de Adorno. "Na Alemanha e em outros países europeus, as forças de direita radical estão se tornando fortes. E, aqui, a análise de Adorno tem uma certa continuidade", explica Weiß.
Assim, por exemplo, em um artigo de Arno Widmann, jornalista especializado em temas de política e cultura, o jornal generalista Frankfurter Rundschau intitulou com um Nazistas no meio da sociedade: Adorno permanece alarmantemente atual. "O novo texto [de Adorno] publicado agora se lê como se fosse escrito para os tempos políticos atuais", escreveu Jens-Christian Rabe, crítico literário do jornal Süddeutsche Zeitung.
Contudo, os anos 1960 e a segunda década deste século são obviamente tempos diferentes. Nos anos 1960, Adorno enfrentou o auge do Partido Nacional Democrático da Alemanha (NPD, sigla em alemão), o aqui conhecido como partido neonazista. Esta formação conseguiu, naquela época, entrar em meia dúzia de parlamentos regionais. Hoje, o eleitorado do NPD está, em grande parte, no partido de ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD, sigla em alemão), uma formação que também se aproveitou de parte do descontentamento dos cidadãos com os partidos que tradicionalmente dominavam a política alemã.
Atualmente, o partido AfD não só está representado em todos os parlamentos dos Länder alemães, como também se tornou o principal partido de oposição no Bundestag, um status que esta formação deve principalmente à 'grande coalizão' de conservadores e social-democratas alemães.
Mas, hoje, assim como nos anos 1960, segundo Weiß, a análise do filósofo continua sendo útil. "Adorno sempre se interessou pelos mecanismos psicológicos da sociedade, em particular, pelo da agitação. Adorno fala do agitador e da psicanálise negativa. Ou seja, de que os agitadores agem como se fossem terapeutas com a tarefa, em vez de distensionar e relaxar o paciente, de fazer justamente o contrário", explica Weiß. "Os agitadores buscam pontos de tensão nas pessoas e os fortalecem", diz o historiador autor do epílogo de Aspekte des neuen Rechtsradikalismus.
Agitadores da política internacional atual poderiam muito bem ser presidentes como Donald Trump e Jair Bolsonaro. Weiß pondera ao apontar que, nos Estados Unidos, "os fascistas estão no que veio a ser chamado de alternative-right [ou direita alternativa], um setor que apoiou Trump, mas não é Trump". O historiador alemão concorda em afirmar que as novas personalidades da ultradireita e da extrema direita não são tão propriamente fascistas como os anos 1930, mas, ao contrário, o que o historiador americano Timothy Snyder, da Universidade de Yale, agora chama de not even fascists, uma expressão difícil de tradução porque é possível ser entendida como "nem sequer fascistas".
Seja como for, Adorno e seus colegas da Escola de Frankfurt suportaram pessoalmente os piores agitadores conhecidos da política. O Instituto de Pesquisa Social, que inicialmente esteve associado à Universidade de Frankfurt, foi forçado a se mudar para os Estados Unidos para evitar o seu fechamento e a repressão dos nazistas.
Adorno e companhia foram intelectuais retaliados. "Foram perseguidos pelo nacional-socialismo. Por um lado, eram marxistas ou neomarxistas, antifascistas e, no núcleo duro da Escola de Frankfurt, também eram judeus", comenta Weiß. "Eram pessoas que viveram catástrofes europeias: desde a Primeira Guerra Mundial até a Segunda Guerra Mundial e a Shoah", reflete.
Em suas pesquisas, Adorno e companhia sempre se perguntaram como uma sociedade moderna como a alemã, do início do século XX, caiu na dinâmica destrutiva que levou ao Holocausto. Essas perguntas seguem sem encontrar uma resposta até hoje em dia.
Em um contexto como o atual, marcado pela influência das novas tecnologias na política, andam triunfantes partidos e personalidades escorados à direita do espectro político. Um exemplo disso, segundo Weiß, é o caso de Bolsonaro no Brasil, para cuja eleição presidencial as novas formas de comunicação foram decisivas, como as mensagens através do WhatsApp. Adorno pode ter morrido há meio século, mas com ele não se apagou a luz de suas ideias sobre a extrema direita. Aspekte des neuen Rechtsradikalismus já está em sua segunda edição.
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A força de Theodor Adorno contra a extrema direita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU